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A Ciência das Analogias em Eliphas Levi - Uma Análise de "Dogma e Ritual de Alta Magia" e Outras Obras

  • Foto do escritor: Mauricio Brasilli
    Mauricio Brasilli
  • 16 de out.
  • 8 min de leitura

obra de Eliphas Levi
Dogma e Ritual de Alta Magia e Outras Obras

Introdução: O Dogma Único por Trás da Terminologia

Uma investigação sobre a obra de Eliphas Levi em busca dos termos "lei das analogias" ou "ciência das analogias" revela um paradoxo fundamental. Embora estas expressões exatas sejam notavelmente raras no seu texto mais célebre, Dogma e Ritual de Alta Magia, o conceito que elas representam constitui a própria espinha dorsal do seu sistema de pensamento.1 A ausência da terminologia específica não indica uma ausência da doutrina; pelo contrário, demonstra que a analogia é tão onipresente e fundamental para Levi que transcende uma única definição, manifestando-se como o princípio subjacente a toda a sua teologia, filosofia e prática mágica.

Este artigo estabelece e defende a tese de que, para Eliphas Levi, a Analogia não é meramente uma ferramenta retórica ou um método comparativo. É, em suas próprias palavras, o "dogma único" e universal, a lei fundamental da criação que conecta o visível ao invisível, o finito ao infinito e o humano ao divino.1 Funciona como a chave que unifica religião, filosofia e ciência, e, consequentemente, revela o segredo da própria Alta Magia.

Através de uma análise detalhada de Dogma e Ritual de Alta Magia e de uma verificação cruzada com suas outras obras principais, este estudo demonstrará como a "ciência das analogias" é o alicerce sobre o qual todo o edifício do ocultismo de Eliphas Levi é construído.


Secção I: A "Ciência das Analogias" - Origem e Enquadramento Programático

A mais explícita e significativa referência de Levi a uma "ciência das analogias" encontra-se no "Discurso Preliminar" de Dogma e Ritual de Alta Magia. Nesta passagem, ele não está a formular um novo conceito, mas sim a citar uma obra sua publicada em 1845, estabelecendo assim um programa intelectual que a sua obra magna se propõe a cumprir. Ele escreve:

"Ora, eis aqui o grande problema da nossa época: 'Traçar, completar e fechar o círculo dos conhecimentos humanos; depois, pela convergência dos raios, achar um centro, que é Deus. Achar uma escala de proporção entre os efeitos, as vontades e as causas, para subir daí à causa e à vontade primeira. Constituir a ciência das analogias entre as idéias e a sua fonte primitiva. Tornar qualquer verdade religiosa tão certa e tão clara-mente demonstrada como a solução de um problema de geometria.'" 1

Dogma e Ritual de Alta Magia
Dogma e Ritual de Alta Magia

A colocação estratégica desta citação no início de sua obra mais influente não é acidental; funciona como uma declaração de intenções, uma moldura retórica que informa ao leitor que o livro que têm em mãos é a concretização e a demonstração dessa mesma ciência.

Ao fazê-la, Levi revela uma ambição profunda: apresentar a magia não como uma coleção de superstições arcaicas, mas como uma ciência rigorosa, dotada de leis e princípios verificáveis. O seu objetivo é reconciliar o ocultismo com o racionalismo e o positivismo dominantes do século 19, buscando dar à magia uma base epistêmica tão sólida e irrefutável quanto a da matemática. Esta intenção cientificista é o que distingue a sua abordagem e eleva a "ciência das analogias" de uma mera curiosidade a um sistema filosófico completo.


Secção II: Os Pilares da Doutrina da Analogia em "Dogma e Ritual"

Dentro de Dogma e Ritual de Alta Magia, a doutrina da analogia é desenvolvida sobre três pilares conceituais que se interligam: a sua raiz hermética, a sua função como dinâmica do equilíbrio universal e o seu papel como a chave da onipotência mágica.


A Raiz Hermética: "Como em Cima, Assim em Baixo"

Na "Introdução" ao Dogma, Levi estabelece o fundamento de toda a sua doutrina no axioma hermético da Tábua de Esmeralda: "O que está em cima é como o que está em baixo, e o que está em baixo é como o que está em cima".1 Este princípio é a razão pela qual o "verbo perfeito está nas coisas apreciáveis e visíveis, em proporção exata com as coisas inapreciáveis aos nossos sentidos e invisíveis aos nossos olhos".1 A forma visível, portanto, não é arbitrária; ela é a "medida proporcional do invisível" e a "assinatura" de uma ideia.1 

No Capítulo I, "O Recipiendário", este princípio é estendido da cosmologia para a esfera ética, afirmando que "o moral é análogo à ordem fisica".1  Com isso, Levi estabelece que o aperfeiçoamento da alma e o desenvolvimento da moralidade não são processos arbitrários, mas seguem as mesmas leis universais que governam o cosmos, tornando a ética uma espécie de ciência natural.


A Dinâmica do Equilíbrio: A Analogia dos Contrários

Se a correspondência entre os planos é o princípio estático da doutrina, a sua dinâmica é a "analogia dos contrários". No "Discurso Preliminar", Levi afirma que a reconciliação entre os grandes opostos — ciência e religião, autoridade e liberdade — é possível porque "a harmonia resulta da analogia dos contrários".1 Este conceito é aprofundado no Capítulo II, "As Colunas do Templo".


obra de Eliphas Levi
Dogma e Ritual de Alta Magia

O universo, segundo Levi, é sustentado por duas forças que se equilibram mutuamente: uma força que atrai e outra que repele. Esta dualidade manifesta-se em todos os planos da existência: em física, produz o equilíbrio; em filosofia, a crítica; e em religião, a revelação progressiva.1 A prova científica desta lei universal, segundo ele, encontra-se nos "fenômenos da polaridade e pela lei universal das simpatias ou antipatias".1 Este dualismo, no entanto, não leva a um impasse, pois o equilíbrio entre os dois contrários só é possível através da mediação de um terceiro termo, o que conduz diretamente ao dogma do Ternário, a síntese que resolve a antítese.


A Chave da Onipotência: A Analogia como Ferramenta Mágica

A ciência das analogias não é um conhecimento passivo; é o mecanismo operacional da Vontade mágica. A Vontade, por si só, é uma força cega. Para poder agir eficazmente sobre o universo, ela necessita de um "mapa" que descreva as suas leis e conexões ocultas. A "ciência das analogias" é precisamente esse mapa.

Ao compreender as correspondências — por exemplo, entre um planeta, um metal, uma planta, uma virtude e um gênio — o mago pode focar a sua Vontade num ponto da cadeia analógica para produzir um efeito desejado noutro ponto. Sem este conhecimento, a Vontade é impotente ou perigosa, como uma força elétrica sem um circuito para a dirigir. Esta função instrumental da analogia é explicitada em múltiplos capítulos.

No Capítulo XXI, "A Adivinhação", Levi define a adivinhação como uma intuição, e afirma categoricamente que "a chave desta intuição é o dogma universal e mágico das analogias".1 É através do conhecimento das correspondências que o mago interpreta sonhos, sinais e presságios, transformando a adivinhação numa ciência dedutiva.

A declaração mais poderosa, no entanto, surge no Capítulo XXII, "Resumo e Chave Geral", onde Levi sintetiza toda a sua doutrina:

"A analogia é a última palavra da ciência e a primeira palavra da fé.".1 

Ele continua, identificando esta ciência com o poder supremo:

"A analogia dá ao mago todas as forças da natureza; a analogia é a quintessência da pedra filosofal... é a chave do grande Arcano, é a ciência do bem e do mal.".1 

A posse desta ciência é, portanto, a posse da própria onipotência mágica.


Secção III: A Aplicação da Analogia na Prática Mágica


Tetragrammaton - Eliphas Levi
Dogma e Ritual de Alta Magia

A lei da analogia permeia todas as práticas descritas em Dogma e Ritual, desde a interpretação dos grandes símbolos até a execução das cerimônias.


O Tetragrama e a Lei do Quaternário

No Capítulo IV, "O Tetragrama", cujo subtítulo é "Analogias e adaptações", Levi aplica diretamente o princípio da correspondência à estrutura fundamental do mundo manifestado.1 Ele afirma:









"Ora, a lei que rege os corpos é análoga e proporcional àquela que governa os espíritos, e a que governa os espíritos é a própria manifestação do segredo de Deus".1 

Esta passagem é crucial, pois estabelece que as leis da física e da metafísica são idênticas em sua estrutura, permitindo ao mago inferir as realidades do mundo invisível a partir da observação do mundo visível, com base na estrutura do quaternário.


A Realização e a Reprodução Analógica das forças

O Capítulo VIII, "A Realização", descreve o mecanismo pelo qual o pensamento se manifesta no plano material, um processo governado inteiramente pela analogia, como indica o seu subtítulo: "Reprodução analógica das forças".1 Levi explica que um pensamento se realiza ao tornar-se palavra; a palavra se realiza através de sinais; estes sinais imprimem-se na Luz Astral e, finalmente, traduzem-se em atos que modificam o mundo.1 Cada passo desta cascata criativa é uma transposição analógica do anterior, do plano mental ao plano físico.


O Tarô: O Alfabeto da Analogia

No Capítulo XXII do Dogma, "O Livro de Hermes", Levi revela o que considera ser a chave de todas as ciências ocultas: o Tarô. Ele descreve-o como um "alfabeto hieroglífico e numeral, que exprimia, por caracteres e números, uma série de idéias universais e absolutas".1 

Para Levi, o Tarô não é um mero baralho de adivinhação, mas a manifestação física e simbólica da própria "ciência das analogias". Cada carta, ou Arcano, representa um nó numa vasta rede de correspondências universais. A sua combinação, governada por leis precisas, permite "resolver todos os problemas" porque reflete a estrutura analógica do próprio universo.1


Secção IV: A Consistência da Doutrina em Outras Obras de Levi

A centralidade da doutrina da analogia não se limita a Dogma e Ritual de Alta Magia. Ela é um fio condutor que unifica todo o corpus literário de Eliphas Levi, aparecendo consistentemente em suas obras subsequentes como o princípio explicativo fundamental.


"A Chave dos Grandes Mistérios" (1861)

Nesta obra, que aprofunda os temas de Dogma e Ritual, Levi reafirma a primazia da analogia, declarando que "A analogia era o dogma único dos antigos magos".2 Esta afirmação confirma que o conceito não era uma ideia passageira, mas o núcleo imutável do seu sistema. Ecoando e reforçando o seu grande projeto de síntese entre fé e razão, ele descreve a analogia como o:

"dogma verdadeiramente mediador, pois é metade científico, metade hipotético, metade razão e metade poesia" 2, .

"História da Magia" (1860)

Em História da Magia, Levi emprega a "lei das analogias" como uma ferramenta historiográfica para interpretar a evolução dos símbolos, ritos e mistérios iniciáticos ao longo das eras.3 A chave para desvendar os segredos do passado, segundo ele, reside na compreensão das correspondências analógicas que persistem sob diferentes formas culturais. A alquimia, por exemplo, é explicitamente descrita como sendo baseada na "lei das analogias, resultantes da harmonia dos contrários" 5, demonstrando que a mesma lei universal governa tanto a história das religiões como as operações da natureza.


Conclusão: A Chave Universal do Sistema de Levi

A análise exaustiva da obra de Eliphas Levi demonstra que, embora a terminologia exata seja rara, a "ciência das analogias" é, inequivocamente, o conceito mais fundamental e unificador em todo o seu pensamento. Não é apenas um dos muitos dogmas da magia; é o "dogma único" do qual todos os outros derivam. É o princípio que permite a sua grande síntese no século XIX: a reconciliação da fé com a razão, da religião com a ciência, e do homem com o divino.

Desde o axioma hermético que une o microcosmo ao macrocosmo, passando pela lei do equilíbrio que harmoniza os contrários, até à prática mágica que depende do conhecimento das correspondências, a analogia é a chave universal que abre todas as portas do sistema de Levi. É a gramática da Luz Astral, o manual de instruções da Vontade e a base da sua filosofia.

Este legado influenciou profundamente todos os movimentos esotéricos subsequentes, desde a Ordem Hermética da Aurora Dourada até aos escritos de A.E. Waite e Aleister Crowley, que adotaram e adaptaram o sistema de correspondências de Levi, solidificando a ciência da analogia como a própria linguagem do ocultismo ocidental moderno.


Referências citadas

  1. DOGMA_E_RITUAL_DA_ALTA_MAGIA_Eliphas Levi

  2. A Chave Dos Grande Mistérios - Eliphas Levi | PDF | Fé | Amor - Scribd, acessado em outubro 1, 2025, https://pt.scribd.com/document/839311171/A-Chave-Dos-Grande-Misterios-Eliphas-Levi

  3. HISTORIA DA MAGIA. ELIPHAS LEVI - Arati, acessado em outubro 1, 2025, https://loja.aratibazar.com.br/historia-da-magia-eliphas-levi

  4. Éliphas Lévi - História Da Magia (Portuguese Edition) - Goodreads, acessado em outubro 1, 2025, https://www.goodreads.com/book/show/46027260

  5. A CHAVE DOS GRANDES MISTÉRIOS por Eliphas Levi - DHnet, acessado em outubro 1, 2025, https://www.dhnet.org.br/w3/henrique/espiritualidade/salomao/eliphaslevi.htm


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