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O Sādhana Oculto no Traço: A Disciplina Espiritual no Método de Desenho de Kimon Nicolaides

  • Foto do escritor: Mauricio Brasilli
    Mauricio Brasilli
  • há 16 horas
  • 3 min de leitura

No artigo do Físico Avi Loeb - Generosidade Cósmica em Aquarelas Pontilhadas, foi onde descobri sobre Nicolaides e seu método de desenho pela primeira vez. Ao perscrutar sobre o tema, percebí que poderiam haver conexões interessantes, com princípios mais elementares, que implicam a consciência envolvida na arte como ato criacional. 

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O Sādhana Oculto no Traço

O Método de Desenho de Nicolaides

O célebre manual "O Caminho Natural do Desenho", de Kimon Nicolaides, é amplamente reconhecido como uma obra fundamental para o ensino das artes visuais. Contudo, uma análise mais aprofundada de sua metodologia revela que seus exercícios transcendem a técnica, funcionando como uma disciplina espiritual (Sādhana) disfarçada em um método de desenho. O texto a seguir propõe que a filosofia de Nicolaides, focada em uma reeducação da percepção, converge notavelmente com princípios encontrados em tradições de sabedoria indo-arianas e escolas esotéricas ocidentais, transformando o ato de desenhar em uma via para o desenvolvimento da consciência.



Kimon Nicolaides Rare Surreal Portrait Drawing
Kimon Nicolaides Rare Surreal Portrait Drawing

A Reeducação da Percepção

O método de Nicolaides parte da premissa de que aprender a desenhar é, fundamentalmente, aprender a ver de uma maneira nova — uma que envolve uma conexão física e sensorial profunda com o tema. Ele desestimula a dependência de fórmulas mecânicas e incentiva os artistas a sentirem uma conexão íntima com o que observam, capturando gesto, peso e estrutura. Práticas centrais como o desenho de gesto, que busca o movimento essencial da forma, e o desenho de contorno, que exige que o artista siga a borda do objeto sem julgamentos, forçam uma suspensão do intelecto analítico em favor da experiência direta. O artista é ensinado a confiar na sensação da mão e dos olhos, explorando tanto os contornos externos quanto os internos, como a linha de um nariz ou uma boca.


Conexões com a Filosofia Hindu

A abordagem de Nicolaides ecoa os estágios preparatórios para a meditação descritos nos Yoga Sūtras de Patañjali.


  • Pratyāhāra (Abstração dos Sentidos): Este quinto membro do Yoga refere-se à retirada consciente da energia dos sentidos para direcionar a atenção ao interior. O exercício de desenho de contorno cego de Nicolaides é uma aplicação prática de Pratyāhāra. Ao proibir o artista de olhar para o papel, o método força a retirada do sentido dominante da visão, que está frequentemente focado no resultado. A percepção é internalizada, e a mente abandona o julgamento ("está ficando bom?") para se concentrar na experiência pura da observação.


  • Dhāraṇā (Concentração): Definido como a fixação da consciência em um único ponto, Dhāraṇā é o ato de manter a atenção focada. A prática de seguir lentamente o contorno de um objeto por períodos prolongados é um exercício exemplar de Dhāraṇā. O lápis torna-se o ponto focal, e a linha, o rastro de uma concentração ininterrupta.


    Gesture Drawing by Kimon Nicolaides
    Gesture Drawing by Kimon Nicolaides

  • Advaita Vedānta (Não-Dualidade): Esta escola filosófica postula que a realidade última é uma consciência unificada (Brahman), e a separação entre sujeito e objeto é uma ilusão (māyā). O objetivo final do método de Nicolaides é dissolver a fronteira entre o artista e o modelo. Através da empatia cinestésica no desenho de gesto — sentindo o movimento do modelo no próprio corpo — ocorre uma fusão perceptual. O artista se torna o fluxo de energia que explora, uma experiência vivida de não-dualidade.

Ecos nas Tradições Esotéricas Ocidentais

Paralelos também são encontrados em escolas esotéricas ocidentais, que buscam desenvolver faculdades perceptivas para compreender realidades invisíveis.


  • Hermetismo: O axioma "Assim como é dentro, é fora" postula uma correspondência entre o microcosmo e o macrocosmo. No método de Nicolaides, a linha no papel é um registro fiel do estado de consciência do artista. Uma percepção fragmentada gera uma linha hesitante, enquanto uma percepção unificada e empática produz um traço vivo e contínuo. O trabalho interno de reeducar a percepção manifesta-se diretamente no resultado externo.


  • Antroposofia: Rudolf Steiner enfatizava a percepção de forças formativas e vitais (o "corpo etérico") que permeiam a matéria. O desenho de gesto de Nicolaides alinha-se a essa visão, pois seu objetivo não é capturar a anatomia estática, mas a força dinâmica e o fluxo de vida que sustentam a forma — uma maneira de perceber e expressar o "corpo etérico" do modelo.


O Desenho como Prática Contemplativa

Integrar essa perspectiva ao processo criativo transforma a prática artística. Abordar os exercícios como meditações ativas, sincronizar a respiração com o traço para aprofundar a concentração (Dhāraṇā) e utilizar o gesto para "ler" a energia sutil de uma cena são formas de aplicar esses princípios. O ato de desenhar torna-se, então, um espelho para o estado interior, um caminho de autoconhecimento (Svādhyāya). Sob essa ótica, o método de Kimon Nicolaides deixa de ser apenas uma ferramenta para aprimorar a técnica e se revela um poderoso instrumento para a transformação da consciência, onde cada linha traçada é um passo em direção a uma percepção mais unificada e verdadeira da realidade.



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